O Classicismo foi a forma literária, posterior ao Trovadorismo, que se desenvolveu no período histórico do Renascimento, ao longo do século XVI. Pregava o resgate ao espírito da Antiguidade greco-latina e só foi possível graças às transformações profundas sofridas pela Europa desse tempo.
O Renascimento é uma época contraditória. Ao mesmo tempo que enfrenta os maiores desafios científicos e as aventuras marítimas, realiza a libertação do indivíduo e desenvolve o culto à beleza, compraz-se também no mais puro obscurantismo, evidente nos autos de fé, na escravidão dos negros, na prática dos alquimistas e dos astrólogos e no maior empobrecimento dos pobres. Significa a ascensão da burguesia, possuidora de bens, que aspira, entretanto, à nobreza, razão pela qual, em seu aspecto positivo, vem manifestar o gosto aristocrático pela cultura e pelas artes, exercendo o mecenato. Não há uma ruptura com o Cristianismo, e sim, estimulam-se pintores e poetas a representar o elemento pagão ao lado dos motivos cristãos.
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Era uma Europa nova, moderna, constituída em outras bases. Com o fim das Cruzadas processou-se um conjunto de alterações sócio-político-econômicas, decorrentes do renascimento do comércio, da urbanização e do surgimento da burguesia. A junção desses elementos impulsionou o processo de formação do Estado Nacional (também chamado de Monarquia Nacional Absolutista), no qual o rei concentrava o poder em suas mãos, e, assim, lentamente foram sendo demolidos os pilares que sustentavam o feudalismo.
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Houve no campo sócio-econômico, a expansão comercial européia mediante as Grandes Navegações, que surgiram entre outros fatores, como uma alternativa à chegada às fontes das especiarias sem ter que depender do monopólio italiano e dos diversos intermediários e como forma de superar as crises do século XIV: trilogia peste, fome e guerras. A economia passa a se caracterizar pelo desenvolvimento do capitalismo mercantil. É através das riquezas advindas das Grandes Navegações que os Estados Modernos conseguiam os recursos para a manutenção do poder Absoluto, pois desenvolviam o Mercantilismo, política de controle e incentivo que se caracterizava, pela balança comercial favorável, pelo protecionismo alfandegário, pelo pacto colonial, pelo metalismo e pelo exclusivismo comercial.
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No campo religioso houve a Reforma Protestante, iniciada por Martinho Lutero, em 1517, na Alemanha, que vai servir como base ideológica do capitalismo, uma vez que apóia a usura, o lucro. No campo científico, a ciência moderna desenvolve-se fundamentada em métodos rigorosos de observação e experimentação. Houve ainda, um avanço na divulgação e comunicação com a utilização dos tipos móveis da imprensa, permitindo maior difusão dos conhecimentos. No campo tecnológico houve o emprego da bússola e do astrolábio, o uso da pólvora e do papel.
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As circunstâncias históricas e uma peculiar situação geográfica confiaram ao povo lusitano um papel de relevo na evolução do Renascimento. É que Portugal, através de alguns estudiosos e particularmente das descobertas marítimas, colaborará de modo direto e intenso no processo renascentista. Todavia foi o alargamento do horizonte geográfico, com sua corte de conseqüências econômicas e políticas, que conferiu ao povo português relevância histórica no período que corre desde os fins do século XV até meados do século XVI.
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Com efeito, a descoberta do caminho marítimo paras Índias, empreendida por Vasco da Gama em 1498, seguida do “achamento” do Brasil em 1500, cercou-se duma série de semelhantes e felizes cometimentos, que permitiram a Portugal gozar de uma momentânea mas intensa euforia. Sobrevém daí uma extraordinária prosperidade econômica, que aos poucos se vai atenuando, até a derrocada final em Alcácer-Quibir, em 1578, quando morre D. Sebastião e o exército português é vencido pelo sarraceno.
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Foi no ímpeto revolucionário da Renascença, e como desenvolvimento natural do Humanismo, que o Classicismo se difundiu amplamente, por corresponder, no plano literário, ao geral e efêmero complexo de superioridade histórica. Preza pelo antropocentrismo em detrimento do teocentrismo medieval; prefere o paganismo ao teologismo; valoriza o saber concreto, científico e objetivo e não o abstrato; a mitologia greco-latina passa a funcionar como símbolo ou ornamento, em suma: o humano prevalece ao divino.
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Costuma-se considerar como o marco inicial do Classicismo o ano de 1527, quando regressa da Itália, Sá de Miranda, tendo permanecido lá por seis anos, onde tomou contato com estudiosos preocupados com o florescimento do estudo da literatura antiga, grega e latina, trazendo as novas tendências européias para Portugal. Introduziu ou colaborou para introduzir precipuamente a medida nova, e ainda: o verso decassílabo, o terceto, o soneto, a epístola, a elegia, a canção, a ode, a oitava, a égloga, a comédia clássica. Tornou-se o principal divulgador da estética clássica, mas o papel de teórico do movimento coube a Antônio Ferreira. O ano que marca, didaticamente, o fim do movimento é 1580, quando morre Camões, o poeta épico visionário português e Portugal é anexado ao domínio espanhol, inaugurando a União Ibérica.
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Denominam-se clássicas as obras e o movimento de Classicismo porque em decorrência dos empreendimentos do homem em diversos campos da atividade e do ressurgimento do interesse pela Antigüidade greco-latina, a Europa passa a cultivar novas realizações na Arte inspiradas na cultura clássica.
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No ideário clássico é fundamental a tradução e comentários de textos teóricos greco-latinos, nomeadamente, a Poética de Aristóteles e a Arte Poética de Horácio. Fundamentos de suas poéticas passam a servir como modelo às obras clássicas, ligadas ao uso da razão como forma de alcançar a perfeição, a harmonia, a beleza e a verdade universais e absolutas.
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O Classicismo consistia, antes de tudo, numa concepção de arte baseada na imitação dos clássicos gregos e latinos, considerados exemplos de suma perfeição estética. Mas imitar não significava copiar, sim criar segundo as fórmulas, as medidas empregadas pelos antigos. Daí a observância às “regras”, estabelecidas como verdadeiros pressupostos da obra literária: os escritores não tinham mais que observá-las, acrescentando-lhes a força do talento pessoal.
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A arte clássica é racionalista por excelência, mas isso não significa ausência de sentimento e emoção, apenas pressupõe que a Razão controle-as, evitando que transbordem. Estabelece-se, ou deseja-se, um equilíbrio entre Razão e imaginação para criar uma arte universal e impessoal. Todavia a impessoalidade e a universalidade implicavam uma concepção absolutista de arte: esta, deveria expressar verdades eternas e superiores, na medida em que se aproximassem dos arquétipos, ou seja, os modelos greco-latinos. Daí vem que os clássicos renascentistas procurem a Beleza, o Bem e a Verdade, com maiúsculas iniciais, em virtude dessa concepção absolutista e idealista de arte. Um alto objetivo ético é o que tencionavam alcançar com suas obras.
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O clássico buscava entender a harmonia do Universo e dela participar utilizando a Razão ou a inteligência. O clássico queria ser intelectual antes de sensitivo, com a inteligência voltada para fora de si, para o Cosmos, e não para dentro, na sondagem do próprio “eu”, como farão posteriormente os românticos.
. {"Vênus de Milo" - obra do célebre pintor italiano Sandro Botticelli
da Escola Florentina do Renascimento}
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Também se ressalta que os clássicos faziam o culto extremado da forma, e, portanto, o desinteresse pelo conteúdo. Isso origina a célebre fórmula do Renascimento: “Arte pela Arte”. Os clássicos são formalistas no duplo sentido de aceitarem os modelos preestabelecidos e de valorizarem a suprema perfeição formal em prosa e em poesia. Imitam-se os torneios sintáticos dos antigos, mas sem perder de vista o caráter próprio da Língua: numa espécie de “defesa e ilustração da Língua Portuguesa”, os clássicos preconizavam ardorosamente a pureza da linguagem.
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O século XVI português constitui época bifronte devido a coexistência e não raro interinfluência das duas formas de cultura, a medieval e a clássica. Do ângulo da expressão poética, a primeria seria a “medida velha”, e a segunda, a “medida nova”.
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A época do Classicismo apresentou um grupo notável de poetas, encimado por Luís de Camões, tendo a poesia se colocado à frente das outras manifestações literárias coevas. Decorre daí que o Classicismo português se abre e fecha com um poeta: Sá de Miranda e Camões. Numa visão de conjunto, este último é o grande poeta, enquantos os demais se colocam em plano inferior, naturalmente ofuscados pelo seu brilho.
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Pouco se sabe da biografia de Camões. De nascimento incerto, entre 1524 ou 1525, Camões provavelmente pertenceu a uma família aristocrárica da Galiza, tendo acesso à vida palaciana na juventude. Leu Homero, Petrarca, Vírgilio, Ovídeo, entre outros e provocou paixões em damas da corte, dentre as quais a Infanta D. Maria e D. Catarina de Ataíde, o que caudou seu “desterramento” para longe da Corte. Foi como soldado raso, em Ceuta, que perdeu o olho, deficiência muito insistantemente enfatizada em sua poética, como se nota em: “Sem olhos vi o mal claro / que dos olhos se seguiu; / pois cara-sem-olhos viu / olhos que lhe custam caro...”.
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Seu maior destaque é na poesia, que se divide em duas maneiras fundamentais: a maneira medieval, tradicional, que usa a medida velha (redondilha maior de sete versos e menor de 5 versos) e a maneira clássica, renascentista, expressa pela medida nova e que se subdivide em lírica, vazada em sonetos, odes, elegías, canções, églogas, sextinas e oitava, e épica, n’Os Lusíadas.
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Quanto à lírica camoniana, as análises da obra de Camões geralmente costumam apontar alguns núcleos temáticos e estilísticos da poesia épica e lírica. Quanto ao estilo, faz-se a relação da poesia camoniana com o estilo clássico (odes, elegias, medida velha, influência trovadoresca das cantigas) e a inovação estética (medida nova, maneirismo, antecipações dos estilos arcádio e romântico) que trouxe. Os núcleos temáticos presentes na lírica camoniana são geralmente cinco: o humor; o jogo de paradoxos; a Teoria do Amor; o desconcerto do mundo e o metafísico, reflexivo e transcendental.
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De acordo com o Dicionário de Termos Literários (Massaud Moisés), a poesia épica principa-se com a Odisséia e a Ilíada do século IX a.C, escritas por Homero. Posteriormente temos as epopéias da Índia e da Finlândia. A epopéia dos romanos foi a Eneida de Vírgilio, escrita no século I a.C. No entanto, durante a Idade Média as epopéias perdem espaço para as novelas de cavalaria, apesar disso, na Itália, Dante escreve a Divina Comédia. É na Renascença que há um novo impulso às epopéias nacionais, impulsionadas pela redescoberta do mundo greco-latino, dentre elas: Os Lusíadas (1572).
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Durante o Renascimento fixam-se regras de como deveria ser a poesia épica: girar em torno de um assunto sublime; prender-se a acontecimentos históricos ocorridos há muito tempo; ter como protagonista um herói de superior força física e mental. Quanto à estrutura, a divisão deveria ser feita em três partes autônomas: Introdução (composta por Proposição, Invocação e Dedicatória), Narração e Epílogo. Devia envolver a esfera do maravilho (impacto de forças sobrenaturais na ação dos heróis) e empregar o verso decassílabo heróico. Considerando-se até o século XVIII, pode-se fazer uma diferenciação fundamental entre poesia épica e epopéia. Nem todo poema épico é epopéia, mas toda epopéia é sempre um poema épico.
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{Primeira edição de "Os lusíadas" de Luís de Camões}

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Os Lusíadas estão divididos em 10 cantos que apresentam no total, 1102 estrofes ou estâncias organizadas em oitava rima (AB AB AB CC) e perfazem 8816 versos decassílabos heróicos. O tema abordado é a história de Portugal, a glória do povo navegador português e a memória dos reis que foram dilatando a Fé e o Império, a que seu título já sugere, pois a palavra que nomeia a epopéia designa os Portugueses, que a erudição humanística assim nobilitava como descendentes de Luso, filho ou companheiro de Baco.
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Conforme Clenir Bellezi de Oliveira, em “Mares nunca dantes navegados”, entre os diversos episódios fantásticos que permeiam Os Lusíadas alguns se consagram como “notáveis”: o de “Inês de castro”, o do “Velho do Restelo, o do “Gigante Adamastor e o da “Ilha dos Amores”.
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Um fator interessante e representador do espírito renascentista ou moderno é o fato do herói do poema não ser Vasco da Gama, mas os navegantes como unidade, ou seja, o povo português, o próprio Portugal. Há também a coexistência do maravilhoso pagão (a intervenção de deuses da mitologia) e do cristão (intervém o sobrenatural do Cristianismo); a atitude subjetiva do Epílgo; os sentimentos e frustrações pessoais que Camões transfere aos personagens.
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O Prof. Gilbero Mendonça Teles apresenta no estudo “O mito camoniano: a influência de Camões na Cultura Brasileira”, que todo poeta brasileiro foi influenciado por Camões, inclusive os dois maiores escritores brasileiros, Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade, pois os mesmos fizeram referências, alusões, paráfrases, enfim, reapropriações inteligentes do ciscurso camoniano, épico e lírico. O processo de influência camoniana vai do nome do Poeta, citado no texto dos poemas, aos versos e nome postos em epígrafe e adquirem um sentido maior de intertextualização quando lhe retomam os temas e as formas expressivas.
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Outros poetas, menores em talento quando comparados à Camões, mas que merecem referência, são: Sá de Miranda, que cultivou o teatro e a poesia, esta, dividida em entre “media velha” e “medida nova”; Antônio Ferreira, afora o papel de doutrinador do Classicismo em Portugal e de mestre da pureza de linguagem, tem mérito estético por determinados sonetos insertos nos Poemas Lusitanos e pela tragédia A Castro; e Bernardim Ribeiro, escritor da novela Menina e Moça.
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O clima ideológico da Renascença portuguesa atingiu ainda outras zonas de atividade literária: literatura de viagens, novela de cavalaria e sentimental, conto, teatro e prosa doutrinária. Quanto à literatura de viagens Massaud Moisés assevera que surgem devido à impressão de assombro deixada pelas descobertas de novas esferas e paisagens, sucedendo o desejo de fixá-las para transmiti-las a todos.
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